Confesso que comprei o livro por causa do magnético e atraente título, do desenho da capa e do tamanho. Era tudo tão adorável que não consegui resistir. E ainda por cima era obra do Perec, de que só li "O infraordinário" e até gostei.
Temos aqui um exercício de estilo Oulipiano cem por cento Perec, um labirinto em forma de desafio linguístico que a editora La Uña Rota lançou pela primeira vez em castelhano, na sua coleção Livros Roubados. E em que consiste o jogo técnico do autor francês?
Tudo parte de um organigrama - incluído no meio do livro - onde se traçam linearmente todos os caminhos possíveis que um empregado de uma qualquer empresa tem de percorrer para solicitar ao seu chefe (de serviço) um aumento de salário.
Imaginem o kafkiano tema: alternativas, hipóteses, what if, decisões tomadas e não tomadas, tentativas frustradas e conseguidas, idas e vindas, lucros e falhanços. Soa-vos a algo? Sim, a vida real…
Pois bem, o livro está apresentado da seguinte maneira: a primeira parte - correspondente ao texto titulado "O aumento" - é precisamente toda essa malha de argumentos do empregado para o despacho do chefe, escrito em forma "perecquiana", frase vai frase vem, até à página 88.
Depois temos o organigrama, ininteligível ou não, depende como se veja ou se leia. A seguir, já narrado em texto corrido, o texto completo titulado "A arte de abordar o seu chefe de serviço para lhe pedir um aumento", onde voltamos a nos encontrar com o mesmo de antes mas com um estilo absolutamente vazio de sinais de pontuação e marcas de qualquer tipo. Tudo seguido, para ficar sem ar, para apalpar ainda mais se cabe a asfixia de um acto asfixiante de per si.
Alguém pensou em "O Processo" ou mesmo "A metamorfose" do enorme Frank Kafka? Pois, eu também. Devo dizer que sou muito amigo dos jogos de palavras em general, de tudo o que Lewis Carroll nos ensinou com "Alice através do espelho" (infinitamente melhor que "Alice no país das maravilhas", mas isso é outra história e deverá ser contadas noutra ocasião) e de qualquer autor que tente esticar ou comprimir as palavras, jogar com elas, dar-lhes novos e velhos sentidos, desentranhar uma nova maneira de escrever e, portanto, de ler. Cortázar, Cabrera Infante, Calvino: quero-vos. Miau.
No posfácio de Pablo Moíño Sánchez - que também traduz o texto na íntegra - são explicadas as vicissitudes por que passou o texto, a tradução e o destino final deste divertimento de Perec (aproveito para dizer que o meu processador de textos do computador converte Perec em Perece, coisa que certamente Perec iria gostar imenso). Também nos descreve o Oulipo desde as suas origens (Queneau, etc…) às suas derivações, etc... Mais miau.
Um pequeno conselho de leitura: não pensem que ao finalizar esta pequena jóia obterão algum segredo, por peregrino que seja, para saber como se aproximar desse ente empresarial chamado "chefe" e pretender que vos aumente essa outra quimera empresarial chamada "salário". Não. Nada mais distante. Remiau.
